quarta-feira, 29 de março de 2017

Bifana em Pita grego (168ª Trilogia)

                   As sanduíches, ou sandes (ou “sandochas”), essa invenção inglesa do Conde de Sandwich, não são exactamente a “minha praia”.
Nascidas para permitir que o tempo das refeições não roubasse tempo para a jogatana a esse inveterado do Whist, continuaram desde o Sec. XVIII até hoje a sua carreira fulgurante de comida rápida e são o suporte da moderna fast-food, vejam-se os hamburgers, os hot-dogs, os tacos, burritos, shoarmas, pregos e bifanas deste mundo!
Quem acredita nas virtudes da slow-food, por certo há-de execrar sandochas e é o meu caso, mas o tema que o Amândio ditou para esta 168ª Trilogia comigo e com a Ana foi precisamente “sandocha”. Sandocha teve de ser.
Da bifana de Vendas Novas, casada com o pão Pita grego mas comido como se faz em Israel, enfeitada com batatas do souvlak  grego e mais o Haloumi grelhado, nasceu este híbrido que deu algum prazer, nem que fosse pelo pão.
Converteu-me às sandochas? Não! Mas pelo menos tentou.

Ingredientes:

Massa de pão Pita grego
Bifanas de porco
Alhos e louro
Sal e pimenta
Banha
Ovo (facultativo)
Queijo Haloumi
Queijo Roquefort (facultativo)
Batatas fritas (facultativo)

Preparação:

Prepare uma massa para Pita grego, que difere de uma massa para pão clássica pelo facto de levar azeite. Depois de levedada, divida-a em porções pequenas
que deve abrir com o rolo sobre uma superfície enfarinhada até que tenha 3-4 mm de espessura.

Se quiser comer a sua sanduíche enrolada como se faz na Grécia, deverá picar esta rodela de massa com um garfo de modo a que não enfole ao assar. Se, como eu, quiser rechear o seu Pita, deve então deixá-lo sem furos.
Aqueça bem uma frigideira antiaderente e coloque a rodela, em lume esperto. Em poucos segundo começará a formar bolhas
que confluem até se tornar uma grande bolha.
Vire e deixe cozer do outro lado.
Todo o processo é muito rápido, dois minutos no máximo.
Abra o seu pão Pita aproveitando a bolha que se formou e comece por cobrir o fundo com bifanas
fritas em pouca banha, com alhos esmagados, sal e pimenta e louro,
depois queijo Haloumi grelhado,
um ovo estrelado
e batatas fritas. Feche, ponha mais uns palitos por cima
e coma a sua sanduíche no prato, com auxílio de talher ou, se for dado a malabarismos, à mão, com todos os riscos inerentes.

Claro que com este pão delicioso, na verdade o elemento essencial deste conjunto, os recheios têm muito mais a ver com a imaginação e o gosto que com qualquer receita. 

segunda-feira, 27 de março de 2017

Língua escarlate

                  Há muitos anos que esperava a oportunidade de preparar este clássico da charcutaria, sempre adiada por falta de um ingrediente essencial.
De facto nunca me conformei com a ideia de fazer uma Língua Escarlate usando esse truque moderno que consiste em fazer a língua e colori-la no fim com corante vermelho. O que dá a cor vermelha a esta preparação que já Escoffier muito estimava e usava é o nitrato de potássio, vulgo salitre. 
Acontece que, por azar, o salitre é também o ingrediente principal da velha pólvora negra, aquela das guerras napoleónicas e dos foguetes e bombinhas de Carnaval. 
Claro que nenhum terrorista iria fazer uma bomba de pólvora de foguetes mas o legislador é geralmente muito ignorante e o nosso salitre para a Língua Escarlate foi englobado na lista de substâncias “explosivas” cuja venda é proibida ao público, o amador, já que as indústrias de charcutaria, enchidos e fumados comerciais o usam em todos os presuntos, chouriços de carne, paios, etc.
Mas agora tudo mudou: numa conversa virtual com a minha amiga e seguidora deste blog, Maria José Santos, soube que era possível arranjar em farmácias do Porto pequenas quantidades de salitre, ela fez-me o favor de mo oferecer e enviar, ficou enfim possível fazer esta delícia.
Com pequenas alterações em relação às receitas desta amiga, do seu pai e da centenária receita de Escoffier, fez-se assim:

Ingredientes:

1 Língua de vaca (c. 1,4 kg)
12g de salitre
2kg de sal marinho grosso
20g de açúcar mascavado
Vinho branco, seco
1 Cebola
3 dentes de alho
Pimenta preta em grão
Pimenta da Jamaica em grão (allspice)
2 Cravinhos
2 folhas de louro

Preparação:

Lava-se bem a língua,
seca-se e retiram-se todas as partes que sempre traz agarradas, gorduras, restos da tiróide, glândulas e cartilagens.
Salpique a língua com o salitre,
depois com o açúcar mascavado,
feche numa caixa e deixe no frigorífico por 24 horas.
No dia seguinte, faça uma cama espessa de sal marinho grosso e bem seco, deite nele a língua e cubra completamente com mais sal.
Deixe no frigorífico por oito dias.
Ao fim deste tempo, em que a língua perdeu uma quantidade considerável de água,
sacuda-a bem do sal e leve-a ao lume numa panela com água e vinho branco seco em partes iguais e os restantes ingredientes.
Deixe cozer durante cerca de 3 horas (duas horas e meia se for língua de 1kg),
retire-lhe a pele com cuidado
e ponha-a de novo enrolada numa caixa a esfriar no frigorífico.
Nesta altura, enquanto está quente e mole, se dispuser de uma forma, poderá dar-lhe a forma que quiser.
Abra-a no dia seguinte, descobrindo a famosa cor escarlate que lhe dá o nome
e sirva em fatias finas, como se de fiambre se tratasse.




sábado, 25 de março de 2017

Berbigão (Cerastoderma edule)

 
                  É o mais humilde dos moluscos bivalves à nossa disposição mas, no entanto, inconfundível no seu gosto peculiar e encanto. Não troco um bom petisco de berbigão, quase vivo e comido devagar com umas gotas de limão, por outro bivalve qualquer e é da sua preparação exigente e meticulosa que vos quero falar hoje.

Ingredientes:

Berbigão
Sal
Limão
Azeite, alhos e coentros (facultativos)

Preparação:

Escolha berbigões bem fechados ou que se fechem prontamente quando lhes toca.
Por maiores que sejam as garantias de depuração que lhe dê quem lhe vender os berbigões, não acredite. Não existem berbigões perfeitamente depurados o que significa que vêm com uma boa quantidade do ambiente em que viveram, areia ou lodo.
Compre os berbigões de véspera. Embora seis horas sejam em geral suficientes para limpar berbigões, o melhor é mesmo deixá-los no “banho” de um dia para o outro. 
A água em que os vai colocar deve ser água mineral, ou de poço ou furo artesiano, já que o cloro da água da rede é mortal para os bivalves. Dissolva duas colheres de sopa de sal marinho por cada litro de água e deixe-os imersos nesta solução. Se tiver à sua disposição água do mar, melhor. 
Durante a depuração os animais vão expelir toda a sujidade que transportam,
a água vai ficar muito suja e os berbigões limpos e prontos para consumir.
A questão magna e geralmente ignorada na confecção dos bivalves em geral e dos berbigões em particular é a sua resistência à cozedura, estando o berbigão na cauda dessa resistência, ou seja, em segundos o berbigão passa do animal suculento que acabou de se abrir
para algo mirrado e aborrachado que não dá qualquer prazer.
É por isto que a confecção do berbigão deve ser muito rápida e intensa e interrompida de imediato assim que as conchas abrem, passando de imediato do tacho para uma travessa de serviço.
Observando estes simples preceitos, o da depuração e o da rapidez da abertura, seja ao natural, abertos sem mais nada e regados só com limão, seja à “Bulhão Pato”, com azeite, alhos e coentros, os berbigões são um petisco irresistível.


quinta-feira, 23 de março de 2017

Torresmos

                 Os torresmos, quentes, estaladiços e bem esmagados entre duas fatias de pão, acompanhados por uma caneca de “café” de cevada, fazem parte de um grupo de sabores mágicos da infância que hoje, tantos anos depois, mantêm intacto o seu encanto.
Chamam-se torresmos ao “esqueleto” das células e tecidos adiposos depois de terem, por acção do calor, libertado a sua carga de gordura. 
No porco, de onde provêm os torresmos mais conhecidos, são o que resta após a extracção da banha. Há-os industriais e prensados em forma de queijo, sem interesse para aqui, e os chamados torresmos soltos, esses que serão hoje o tema no blog.
Toda a gordura dá torresmo, mas conforme o tipo de gordura assim resulta um torresmo diferente e a confusão é total neste campo, em que estas gorduras provêm de órgãos mal conhecidos e estruturas de suporte, ainda por cima nomeados de forma diferente consoante a região de Portugal.
Há três tipos de torresmos, conforme a gordura que os originou: o torresmo de toucinho que, como o nome indica, resulta da fritura da camada gorda subcutânea do porco, da papada e da barriga;
o torresmo de riçol (nalgumas regiões conhecido por torresmos de saínhas), proveniente do mesentério
e o torresmo da banha em rama, que é a parte mais espessa do redanho, a gordura que envolve os rins do animal.

Ingredientes:

Banha em rama, ou “riçol”, ou toucinho gordo.
Louro
Alhos (facultativo)
Pimentão doce (facultativo)
Sal

Preparação:

O método para preparar torresmos é sujeitar as gorduras ao calor, numa panela, de modo a que a banha se liberte dos tecidos e deixe as estaladiças estruturas que a suportavam. 
No caso dos torresmos de toucinho, há que fatiá-lo e retirar-lhe o courato,
que se for utilizado fica, depois da fritura, duro, coriáceo e desagradável. Postos ao lume em breve começam a fundir e a ficar submersos na sua própria gordura.
O calor deve ser moderado para que tenham tempo de libertar toda a banha sem ficarem queimados. Quando estão louros e de textura estaladiça, retiram-se da banha, escorrem-se, salpicam-se com sal e estão prontos.
Para preparar os torresmos de riçol, que têm este aspecto em cru,
devem-se partir em unidades correspondentes a cada uma das suas vilosidades mais marcadas e, se não quiser arriscar-se a obter uns nódulos muito duros dentro do torresmo, há que abri-lo com uma faca bem afiada, assim,
expondo a sua estrutura interna e permitindo que, depois de frito, tudo fique estaladiço por igual.
Fritos como se disse acima
para os de toucinho, são os torresmos favoritos no Alentejo.
Os meus favoritos são, no entanto, os torresmos de banha em rama. Geralmente esta grande manta gorda onde se encontram os rins do porco não está disponível nos talhos, pelo que deverá encomendar com antecedência. Par obter torresmos a melhor banha em rama é a que provém de porcos brancos, sendo a gordura do porco ibérico (porco preto) boa para produzir banha mas muito pobre na quantidade de torresmos que deixa.
Corte esta manta gorda em pedaços como este,
salpique de sal, junte louro e, caso queira fazer banha de cor, um pouco de pimentão doce e alhos,
envolva e leve ao lume onde em breve se irá começar a formar abundante banha,
que pode ir retirando à medida que se forma para facilitar a fritura do torresmo.
Quando estão louros e já quase não borbulham, estão os torresmos na fase em que se podem comprar no comércio.
De facto, estão ainda cheios de banha no interior e são comercializados assim por uma questão económica: torresmo é muito mais valioso que banha!
Para evitar esta enormidade alimentar e sem vantagem no sabor e textura, antes pelo contrário, há que espremer estes torresmos,
que irão ainda largar dois terços do seu peso
e ficar finalmente “secos” e estaladiços, prontos para o pão!

Os torresmos soltos podem ser guardados em recipiente bem fechado por muito tempo, embora costumem “desaparecer” num instante, por motivos óbvios. 
Para conseguir gastar a grande quantidade de banha produzida e conseguir assim “alibi” para uma nova produção de torresmos, pode sempre oferecer à família ou a amigos a banha branca ou de cor (a “manteiga” de porco),
ou ainda fazer uns rojões de conserva como se fez aqui.